O PENSAMENTO SOCIAL DOS REFORMADORES
Oaidson Bezerra e Silva
Em
comemoração aos 498 anos da reforma protestante, esse post trata sobre um dos
aspectos revolucionários oriundos da reforma. Olhando para esse movimento e sua
profunda influencia no mundo ocidental, não podemos deixar de agradecer a todos
aqueles que entregaram suas vidas até as ultimas consequências por aquilo que
acreditavam: o retorno e a submissão da igreja ao senhorio de Cristo e Sua
palavra.
A reforma tem suas raízes muito antes de 1517, porém foi nessa data que Martinho Lutero afixa suas 95 teses na abadia de Westminster, dando inicio ao que conhecemos como reforma protestante. Não iremos abordar a reforma em si, mas um dos resultados práticos quando nos voltamos para as sagradas escrituras.
Lutero fixa e suas 95 teses na abadia de Westmister
No
século XV e XVI, durante o movimento que ficou conhecido como Reforma, Calvino
e Lutero, nomes centrais desse movimento e considerado, por muitos, pais das
igrejas protestantes atuais, escreveram sobre a questão da pobreza e o
compromisso da igreja cristã ante essa problemática.
Lutero foi o responsável pela
tradução da bíblia, que antes escrita em latim, para a língua alemã, com isso
influenciou a língua e literatura germânica que surgiria mais tarde. A época em
que viveu foi marcada por mudanças nos setores de produção e cultivo do
material de subsistência. Novos mercados surgiram, havia fabricas que produziam
em escalas maiores. A exploração de minério e vidro também estava em alta. Com
esse tipo de produção houve um grande acumulo de capital, que voltava para a
produção, posto de empregos e assalariamento surgem, era uma espécie de
pré-capitalismo. Rietch (1995) observa:
A concentração econômica nas mãos de poderosas casas comerciais – Fugger, Welser e Höchstetter estavam entre as mais destacadas – deveu-se em muito à participação direta de algumas delas no financiamento da invasão e conquista do Novo Mundo, bem como aos enormes lucros advindos do daí decorrente comércio com as colônias[1].
Martinho Lutero foi um homem que
sentiu dolorosamente as contradições sociais existentes. As famosas noventa e
cinco teses, afixadas na abadia de Westminster (1517), revelam, em alguns
trechos, o pensamento de Lutero da responsabilidade do cristão com o próximo. A
tese quadragésima terceira e quarta dizem:
Deve-se ensinar aos cristãos, procede melhor quem dá aos pobres ou empresta ao necessitado do que os que compram indulgência. É que pela obra de caridade cresce o amor ao próximo e o homem torna-se mais piedoso; pelas indulgências, porém, não se torna melhor senão mais seguro e livre da pena.
Para esse reformador, todo cristão é
um sacerdote, livre para viver uma vida de serviço de amor a Deus e ao próximo.
A mudança social começa com a liberdade baseada na justificação alcançada pela
graça, e isso mediante a fé, que resulta num compromisso real não somente com
Deus, mas com a sociedade. Lutero registra, que o cristão que enxerga seu
próximo padecer necessidade e gasta seu dinheiro com indulgencias atrai a ira
de Deus[2].
Max Weber (1864-1920) em seu livro
“A ética protestante e o Espirito do Capitalismo” explica a concepção de Lutero
sobre vocação, onde todos os homens (gênero) recebe uma tarefa outorgada por
Deus, que cria algo que é indiscutivelmente novo:
a valorização do cumprimento do dever nos afazeres seculares como a mais alta forma que a atividade ética do indivíduo pudesse assumir segundo e isso foi um dos principais.[3]”
Ainda de acordo com Weber o
pensamento dos reformadores era que a vida do cristão aceitável a Deus, não era
uma vida enclausurada num ascetismo exacerbado buscando uma moralidade distante
do mundo, mas uma vida onde suas obrigações consigo mesmo e com os outros
fossem cabalmente cumpridas, isso era sua vocação[4].
A educação foi outro grande
instrumento de mudança social aplicado por Lutero, ele acreditava que a
educação seria o melhor e o mais eficaz agente de mudança social. As noventa e
cinco teses publicadas por ele, circulou em quase todas as casas da Alemanha e
levou a cada grupo e família a ler e debater cada tese, levando a uma ação de
educação revolucionaria para época[5]. Nesse sentido Lutero não
foi somente um reformador religioso, mas um reformador religioso e social.
Do outro lado da reforma, mas não
menos importante, temos João Calvino (1509-1564). Nascido em Noyon, Genebra,
foi um dos grandes nomes da Reforma. O pensamento de Calvino influenciou e
continua influenciando grande parte dos cristãos protestantes de hoje. Foi,
ainda, um grande transformador da realidade social de Genebra, Suíça, sua
cidade natal.
João Calvino
A cidade de Genebra, assim como
outros lugares da Europa do século XVI, enfrentava um período de instabilidade.
O papa e as autoridades eclesiásticas enfrentavam um grande descontentamento
por parte do povo. A venda de indulgências causou revolta. A pobreza
contrastava com a riqueza do clero.
Calvino, após sua conversão, foi
convidado por Farel, um dos precursores da reforma na Suíça, a ajudar nos
problemas sociais que existiam naquela cidade. De acordo com Biéler (1961)
Calvino foi intimado e logo começou a trabalhar no sentido trazer mudanças
aquela cidade:
Farel intimou Calvino a vir para a Suíça, dizendo que Deus iria amaldiçoá-lo se recusasse. Chegando a Genebra, vendo a miséria e a corrupção de costumes aí reinantes, organizou um consistório composto por pastores e leigos que tinha autoridade para controlar a conduta dos cidadãos: o consistório determinava o vestuário, o comportamento; proibia a bebida, o jogo e a dança. Havia uma disciplina bastante severa com o objetivo de moralizar os costumes. Foram estabelecidas rijas regras de comportamento, era proibida a vadiagem e o comerciante ficava impedido de roubar no peso, ou cobrar além do preço justo.[6].
Incentivou o trabalho, o valor da
fraternidade, a ajuda aos necessitados, o descanso semanal, e vários outros.
Devido sua atuação Genebra se tornou exemplo para os cristãos. Em pouco tempo a
pobreza ali foi reduzida drasticamente.
O ensino foi outro ponto forte de total apoio e incentivo por Calvino,
ele acreditava que todos poderiam entender melhor a bíblia se possuíssem ensino
elementar, por isso fundou a Academia de Genebra, local onde pastores iriam
ministrar educação aos fiéis.
A justiça social, a abolição de
classes, a igualdade faziam parte das preocupações de Calvino. A organização
eclesiástica de Calvino demostrava, também, seu apelo social. A igreja era
dividida em pastores, doutores, presbíteros e diáconos. Os pastores ficariam
conectados as questões doutrinais da igreja, os doutores a educação, os
presbíteros à disciplina e os diáconos as questões sociais. O serviço diaconal,
no pensamento de Calvino, volta a ser como nas paginas neotestamentárias onde o
serviço de distribuir as ofertas dos mais ricos aos pobres necessitados é
colocado em pratica.
Os bens deveriam servir a todos.
Quem muito possuísse deveria, por obrigação, socorrer e dar amparo aos pobres.
Cabia à igreja dar suporte necessário aos pobres, órfãos, viúvas, doentes e
todos necessitados, pois:
A cada passo se pode encontrar, tanto nos decretos dos sínodos, quanto nos escritores antigos, que tudo quanto a Igreja possui, seja em propriedade, seja em dinheiro, é patrimônio dos pobres[7]”.
E se fosse necessário, de acordo com
Calvino, os bens da igreja e até as vestes sacerdotais deveriam ser vendidas
para sustento dos pobres. As transformações decorrentes da Reforma, através de
Calvino e Lutero foram muito mais profundas do que relatamos acima, e pode ser
tema de estudos específicos com uma gama de material histórico para tal.
Soli Deo Gloria!
[1] Rieth, Ricardo. Economia Introdução
ao Assunto in: KAYSER, Ilson. Martinho Lutero Obras Selecionadas., Rio Grande
do Sul, Sinodal e Concórdia Editora Ltda, 1995, pg. 367.
[2] 45ª Tese.
[3] WEBER, Max, 1864-1920, A ética
protestante e o espirito do capitalismo, 2ª ed. rev., São Paulo, SP, Pioneira
Thomson Learning, 2005, pg.34.
[4] Ibid. pg. 34 e 35.
[5] KEIM, Ernesto Jacob, A educação e a
revolução social de Martinho Lutero, Eccos Revista Científica, vol. 12, núm. 1,
São Paulo, SP, 2010, pg. 223.
[6] BIÉLER, André. O humanismo social de
Calvino. São Paulo: Edições Oikoumene, 1961, pg 99.
[7] Institutas de Calvino, livro IV cap.
IV item 6.